Na cidade cinza chuvosa

Eu caminhava pela cidade cinza apressadamente, meu destino não estava tão próximo e meu guarda-chuva parecia que iria voar a qualquer momento. Sentia minha bota super molhada e meu casaco fino (apesar de lindo) não me protegia do frio. Maldita hora que resolvi sair de casa, comentava comigo mesma. Eram apenas 10:00 horas da manhã, poderia muito bem estar acolhida sob minhas cobertas, tendo ao lado uma xícara de chocolate quente e um livro de Machados. A chuva aumentou sua intensidade consideravelmente e lá estava eu, correndo pela calçada procurando uma loja aberta para me refugiar da tempestade.
Entro correndo por uma porta de madeira pesada já com um pedido de desculpas nos lábios, quando me dou conta de um alguém inesperado em minha frente, e de repente, perco a fala. Ele sorri para mim, aquele mesmo sorriso de lado, que antes me fazia estremecer de expectativa e... paixão.
- Posso ajudar? A chuva lá fora deve estar muito forte, imagino.
Ele se oferece para pegar meu casaco, obrigando-me a sair do estado de torpor que me encontrava, quando desajeitadamente tento organizar a nuvem de pensamentos em minha mente, sorrio timidamente na vã tentativa de amenizar o clima de tensão que havia pairado sobre nós. O casaco não fez falta nenhuma quando o retirei de cima do vestido, o aquecedor daquela loja realmente era espantosamente forte. Ele se retira para pendura-lo, e então aproveito a deixa para observar ao meu redor, acabo me dando conta que nunca entrei em um lugar tão fino assim nos 25 anos de minha vida. Não tinha muita gente, mas os clientes que estavam sendo atendidos pareciam ser de uma alta classe. Um pensamento estala em minha cabeça por repetidas vezes: "Marcela, você entrou no lugar errado. Saí daí!". O problema era que eu não conseguia me mover, algo me prendia ali, e podia garantir que não era a chuva lá fora.
Ele volta. Vem trazendo uma xícara de chocolate quente que apenas seu cheiro faz meu estômago se apaixonar.
- Marcela, sente-se por favor. Vai ficar em pé até a chuva passar? Não sou Deus, nem nenhum meteorologista, mas posso concluir que vai demorar um pouco. - Disse com o mesmo sorriso, aquele mesmo sorriso, que droga!
Estremeço quando ele toca em meu braço e me puxa levemente em direção ao sofá de couro. Sento e cruzo as pernas tentando relaxar enquanto ele põe a xícara de aroma delicioso na mesinha em minha frente.
- Beba. - Ordenou, dessa vez com uma voz e expressão séria.
Tomo um gole do chocolate quente, encaixo meus pensamentos e logo explico de uma vez por todas porque estava ali.
- Tom, bem, é... Olha, me desculpe, de verdade. Não quis invadir a sua, sua loja, é que estava chovendo muito e... precisei me refugiar em algum lugar e, nem reparei onde estava entrando, prometo que vou embora, logo, já já. - Tagarelei apressadamente, porém logo me arrependi ao ver sua expressão divertida.
- Não precisa explicar, eu percebi. Você não é do tipo que foge das coisas. Mas, e se eu não quiser que você vá já já? - Perguntou baixinho sentando-se ao meu lado. "Corre, Marcela, corre!" vibrava o pensamento em minha cabeça.
- Como? - Consegui finalmente perguntar.
- Fica. Fica comigo, Mar.
Tom se aproximou devagarinho como se estivesse me estudando, enquanto eu permanecia muda, quieta e assustada. Aquele era o dia mais louco da minha vida. Mas eu precisava ir embora, sabia que se permanecesse depois iria me arrepender. Mas eu estava presa, presa naqueles olhos cor de mel, presa naquela voz suave que antes sempre me fazia estremecer, presa naquele toque que despertava reações intensas em mim. Eu poderia ficar ali para sempre. Intimamente isso era é o que eu queria. Mas daí eu lembrei, lembrei de tudo. Me recordei de toda a angústia, de toda a dor, de todo o amor que foi rejeitado. De todos os momentos que bebi da indiferença quando o que eu doava era carinho, atenção e cuidado. De todas as vezes que não passei de um objeto. E era apenas isso que ele queria que eu fosse, um objeto, só que de novo não, não mais.
E de repente, não queria mais estar ali, queria ir, precisava ir embora. Levantei-me apressadamente, agarrei meu guarda-chuva que estava largado no chão e corri. Corri em meio a chuva ignorando meu casaco que ficou para trás e a voz que dizia: "Você não é do tipo que foge, Mar. Volta!". Eu preferia pegar uma gripe, uma pneumonia naquela chuva, mas não voltaria a permitir machucar meu coração de novo.

                                                                                                   

Comentários

  1. Muito bom o texto, adorei!
    Fiquei curiosa para saber o que aconteceu depois com aMarcela e o Tom.
    Beijos!
    www.mahmaquiagens.blogspot.com.br

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  2. Nossa que texto lindo *O* Você escreve muito bem,tem o dom haha !
    Beijos!
    ( Mundo da Laís )

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